Cínica

é o o que eu sou. Qualquer pessoa que minimamente me conhecesse o diria. Não vou dizer o cliché de que a vida me fez assim. Não fez. Ou pelo menos não foram só os acontecimentos da minha vida. A minha visão derrotista e à defensiva também contribuiu por exemplo. Mas foi sobretudo a experiência (minha e de pessoas próximas) de que não vale a pena ser boa pessoa que mais contribuiu para o meu cinismo. E assim andamos. A desconfiar de pessoas que são generosas, simpáticas sem querer nada em troca. Acho que esta é mesmo uma caraterística da sociedade actual. Desconfiamos dos arabic related por causa do terrorismo, desconfiamos dos políticos porque só estão no poder por causa do dinheiro, desconfiamos dos emigrantes porque nos roubam os empregos, and so on and so on... Por isso não poderíamos acreditar (de forma alguma) que alguém como o Michael Jackson só quisesse, através da sua música, divertir-nos, alertar-nos sem mais. Era inconcebível que tal pessoa, com sentimentos tão genuínos pudesse existir. Hey, eu era uma dessas pessoas. Desde os late 90's que eu, como a minha família e amigos aliás, o víamos na tv ou nas fotos com máscaras e os míudos tapados e não hesitávamos em rotulá-lo como weirdo ou wacko. Olhávamos para as suas transformações físicas e não acreditávamos que ele só se tivesse submetido a 3 cirurgias plásticas como alegava. Não. Ele queria ser branco! Apesar de todo o sucesso conseguido a única coisa que ele queria era ser branco. Víamos neverland como uma excentricidade. Acreditávamos em tudo o que os tablóides e mesmo jornais de seu nome diziam sobre ele, porque, na verdade, não poderia exisitir ninguém que apenas quisesse entreter-nos com a sua música, curar o mundo e a fome, ajudar quem precisasse sempre discretamente e ser um bom pai. Não. Isso ele não era. Não podia ser. Rotulávamo-lo de ingénuo, criança e desprezávamos as suas tentativas de comeback. Mesmo aquando do anúncio da última digressão dizíamos que só acreditávamos quando víssemos. 50 concertos?? Nunca iria conseguir. E, aliás, só os faria por dinheiro porque no fundo todos sabíamos que ele estava acabado. E depois...acabou-se mesmo.
Nunca lhe demos oportunidade. Ontem, no comovente memorial service e em toda a tv coverage que se seguiu tivémos um glimpse de como era realmente a pessoa Michael Jackson. Não a persona pública. Mas aquela que lutava diariamente com as adversidades que a fama astronómica lhe tinha trazido. Nunca tinha ido a um supermercado, nunca tinha andado numa rollercoaster em criança, só podia ir ao zoo com os filhos quando lhe garantissem que este estaria encerrado ao público (e ainda assim era enganado), mas no fundo no fundo, apesar de toda a maldade que o mundo lhe havia inflingido ele continuava a não ser cínico. Uma pessoa que nunca perdeu a ingenuidade de criança, que adorava os filhos e fazia tudo por eles, que se dava com a família (ao contrário do que toda a gente acreditava) e que só queria, na medida do possível, viver na normalidade.
O memorial de ontem mostrou-me tudo isso. Nos irmãos, nos amigos mas principalmente nos filhos. E relembrou-me a vacuidade do cinismo. Porquê passar a vida à defensiva? Porquê condicionar a vida ao que os outros vão pensar ou fazer ou mesmo dizer de nós? Porque não apenas e só tentarmos ser felizes, um bocadinho que seja todos os dias? Até agora sempre agi ao contrário. Aprendi uma lição.

E sim, podem gozar comigo à vontade, por causa deste texto que deve ser o maior que já aqui deixei. Mas ninguém me tira esta conclusão que aqui fica, nem a alegria ao sabor da qual dancei ontem e hoje ao som de Michael Jackson. Depois do memorial, venha a festa! Exorcizem-se os espíritos cínicos e let's dance!


4 comments:

dragoneza said...

Rak...esse cinismo que como dizes é característica da sociedade actual é também o mal da sociedade actual...desde quando é que só fazes bem aos outros se receberes algo em troca? que raio de visão é essa, se nem a tua própria vida é assim...bom, não será assunto para aqui é certo.
Quanto ao Michael é óbvio que na hora da morte os elogios transcendem qualquer realidade. Não questiono a estranheza dele como não questiono o talento e por isso acho que o memorial é a justa homenagem a quem nos deu tanta boa música e dança. Se há cinismo na família ou nos discurso, não sei. Sei apenas que aquela filha me comoveu muito e que por mais 'wacko' que ele fosse era pai dela e é sempre duro ver os que amamos morrerem.

Por isso estou com todos os que estão a prestar homenagem e espero que a família se una e trate bem daqueles filhos, talvez colmatando agora falhas de outros temspo.

PS: Odeio o pai Jakson...esse não em convence e esse leva agora com todo o meu cinismo!

mau maria said...

Nem tanto ao mar nem tanto à terra, diria eu..

Se, por cinismo ou não, a sociedade e cada um de nós optou, como tu dizes, por demonizar o MJ, também não será agora, lavado pelas exéquias fúnebres que ele ressuscitará como o Messias.

Não acredito que ele fosse nem uma nem outra coisa, tal como qualquer ser humano debaixo deste sol. Foi e terá sido seguramente o somatório das suas vivências, terá tentado fazer o melhor que sabia e podia, certamente, com falhas e sucessos ao longo do caminho.
Intenções nunca as saberemos, mas que nos sabe bem dançar a Billie Jean, não haja dúvidas.

raquel said...

desde quando é que só fazes bem aos outros se receberes algo em troca? que raio de visão é essa, se nem a tua própria vida é assim - não percebi. Não tentei alegar que só faz bem aos outros quem recebe algo em troca. Tentei dizer que acho que ele tentou fazer bem aos outros sem receber nada em troca senão o cinismo. Tb concordo mariana q n é pq ele morreu q agora é o messias, mas acho que é apenas porque ele morreu que nos lembramos do homem por trás da persona pública. o pai que era com o discurso da filha

dragoneza said...

tu disseste que não vale a pena ser boa pessoa...e daí surgiu este meu comentário...vale sempre mesmo quando achas que não recebes o mesmo em troca...expliquei-me mal :)

claro que ele não é o messias mas é certamente alguém que marca a história e cujo legado é de se admirar!